VAIDADE DE VAIDADES! TUDO É VAIDADE

Por Flávio Noronha – Advogado e escritor
Ver alguém em um leito, à espera da morte, ou já postado em um caixão funerário, produz profundas reflexões.
Escrevi, recentemente, um pouco sobre a morte, com ênfase no temor que ela nos causa, dadas as incertezas e os mistérios que a envolvem, o que a faz ser encarada pelos homens com receio similar ao vivenciado por crianças em relação ao escuro.
Como um ladrão, ela pode surgir, sem qualquer aviso prévio, para encerrar a nossa vida, a nossa jornada terrena, ou a dos nossos entes queridos, sendo certo que raros são os que a compreendem a ponto de aceitá-la com naturalidade. Para os que presenciam a partida alheia, restam o assombro, a perplexidade e a confusão, proporcionados pela certeza de que ninguém pode escapar do encontro com o fenecimento.
A consciência de que a finitude nos sobrevirá, promove avaliações sobre o sentido da vida, levando-nos a enxergá-la de forma mais realista, sem maquiagens, o que se dá, infelizmente, por curtíssimos momentos de autoanálise e de clarividência, enquanto, sob os efeitos do choque drástico a que fomos submetidos, nos perguntamos: “como assim?”; “não estou sonhando?”; “é mesmo ele, ali, sem vida?”.
Em ocasiões tais, passam-nos à mente, com muita clareza, flashs de nosso passado, reveladores de que dedicamos grande parte dos nossos dias a vaidades excessivas, materializadas em disputas por poder; em futilidades e superficialidades comportamentais; em intrigas; enganos etc. Ou seja: conseguimos, por alguns momentos, entender que temos envidado esforços na busca do que nada tem de efetivamente construtivo; do que não nos torna maiores espiritualmente; e do que não servirá como bom legado, após o nosso perecimento.
O livro bíblico de Eclesiastes, capítulo 1, versículos 2 e 4, retrata nossa condição humana de efêmeros passantes, de geração em geração, na permanente terra, e rassalta: “Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade.”
Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades!
Tudo é vaidade
Lembro-me de ouvir de alguém, em ato da mais pura vanglória, um relato sobre suas posses; sobre suas relações interpessoais; e sobre as qualidades destas e daquelas; tratando a tudo e a todos como símbolos de seu sucesso e refinado gosto, e como fatores de sua inclusão na elite sócio-econômica, o que fez elencando as marcas alemãs da sua motocicleta, do seu carro e dos seus sapatos; da caneta francesa; do relógio suíço; das gravatas e camisas italianas; dos nomes de seus conhecidos famosos e dos lugares internacionais onde passava as férias… Em um misto de espanto, incredulidade e vergonha alheia, fiquei pensando sobre que marca teria a alma dele, e se Deus estaria incluído no seu rol de relacionamentos…
Machado de Assis, Miguel de Unamuno e Padre Antônio Vieira, traduzem bem esta condição humana repelente, ao dizerem, respectivamente, que “a vaidade é um princípio de corrupção”; que “o homem costuma entregar a vida pela bolsa e a bolsa pela vaidade”; e que, diante destas comuns constatações, pode-se concluir “que todo este mundo é vaidade; que a vida é um sonho; que tudo passa; que tudo acaba; que nós havemos de acabar primeiro que tudo; e que vivemos como se fôramos imortais ou como se não houvera eternidade”.
O filósofo luso-brasileiro Matias Aires completa esse “chacoalhão” ao chamar-nos à seguinte reflexão: “que são os homens mais do que aparências de teatro? Tudo neles é representação que a vaidade guia”, sendo que a ostentação “se encontra oculta no estado de inocência da infância, a qual, com o tempo, vai crescendo e tomando conta de nossas vidas”, chegando ao ponto de, surpreendentemente, nos revelar que “até a humildade costuma nascer da vaidade e que esta exerce sua influência mesmo onde parece não tê-la”. Com tal constatação concorda Leandro Karnal quando diz que “a vaidade, disfarçada de humildade, é avassaladora”. Isto ocorre porque, insistindo em Matias Aires, “a natureza humana propende para o mal e por causa disso devemos viver sob regras. Chegamos ao vício, sem necessidade de tempo ou de mestre. À virtude, só chegamos depois de muito trabalho”.
Ernesto Sabato consolida esse entendimento ao dizer que “a vaidade é um elemento tão sutil da alma humana, que a encontramos onde menos se espera: ao lado da bondade, da abnegação e da generosidade” Esta percepção é completada por ditado judaico e por Jean de la Bruyere, no sentido de que “demasiada modéstia é meia vaidade” e de que “a falsa modéstia é o seu último requinte”. Pela ótica de Blaise Pascal, “somos tão presunçosos que desejaríamos ser conhecidos em todo o mundo. E tão vaidosos, que a estima de cinco ou seis pessoas que nos rodeiam nos alegra e nos satisfaz”.
Resta evidenciado ser tarefa quase impossível desvencilharmo-nos da vaidade. Até porque, se o conseguíssemos, segundo Matias Aires providencialmente esclarece, isto poderia ser-nos prejudicial, eis que “alguma tintura de brio, embora não a sua substância, nos ajuda a impedir ou a moderar outros vícios”. Cabe-nos, portanto, controlar a sua “alimentação”, posto que, de acordo com Jaime Balme, “…ela se abate e se entristece quando lhe falta a lisonja”. “A vaidade quer aplausos” (alimenta-se deles) e “os vaidosos só ouvem os elogios”, sendo estes (os elogios) “um meio muito usado, mas sempre novo, de render homenagens à imodéstia alheia!”. “A bajulação, então, nada mais é do que moeda falsa, que só circula por causa da soberba humana” (Massimo Taparelli D’Azeglio, Pequeno Príncipe, José de Alencar e François La Rochefoucauld, parafraseados).
É preciso, entretanto, distinguir entre vaidade e orgulho, apesar de serem tais palavras utilizadas erroneamente como sinônimas. Jane Austen ensina que “o orgulho relaciona-se com a opinião que temos de nós mesmos, e a vaidade com o que desejaríamos que os outros pensassem de nós”.
Também, havemos que distinguir vaidades universais – como o patriotismo – de vaidades particulares – futilidades pessoais – compreendendo que “as primeiras, de acordo com Matias Aires, unem as pessoas e constituem a sociedade, e as últimas separam e dividem as pessoas”.
Finalizando este passeio pela filosofia parafraseada, surpreendeu-me incomodamente a afirmação de Cherubini de que o “escrever é a pretensão de ser famoso. É apenas vaidade…”, sobre a qual vi-me obrigado a concordar parcialmente. Devo assumir que espero, sim, por “aplausos”. Mas, também, que eu os receba com comedimento, para que não promovam a superalimentação do meu “eu” e para que deste eu me liberte ou sequer o deixe me escravizar, enquadrando-me no lado positivo da “valoração de homem” estabelecida por Albert Einstein, determinada, segundo ele, “em primeira linha, pelo grau e pelo sentido em que este (o homem) se libertou do seu ego”, o que me excluirá também do enquadramento de Nicolas Boileau, para quem “vale mais a ignorância do que um saber vaidoso”.
Enfim, concluo expressando o que tenho como a mais pura verdade, em repetição ao paradoxo socrático indicativo de que é sábio conhecer a dimensão da ignorância própria: “só sei que nada sei”