A mala do filho pródigo

Entre as parábolas contadas por Jesus, a do filho pródigo (Lucas 15:11-32) além de fácil compreensão em relação ao seu significado, é uma estória bonita e com final feliz.

Em resumo fala de um jovem que um dia disse ao pai:

– Dá-me a parte da fazenda que me pertence. (Lc 15:12)

Recontarei a parábola utilizando elementos de nossa época.

Depois que o pai mesmo insatisfeito concordou com a partilha e trouxe o montante em dinheiro, o filho rapidamente foi ao Banco do Brasil para abrir uma conta.

Obviamente não queria manter o dinheiro em casa. Temia assaltos, já que até transportadoras estavam sendo roubadas. Preferiu também não fazer a movimentação online com receio de “hackers” interceptarem a comunicação e tentassem cometer fraude. Foi muito bem atendido, principalmente quando declarou montante que tinha disponível.

Solicitou um Cartão de Crédito “Ourocard”, para situações de emergência, já que ele planejava fazer uma viagem, sem data especifica de retorno.

Foi ao shopping mais próximo. Comprou uma mala “Samsonite”, com garantia de 5 anos. Teve certeza de que não era feita na China, para não passar vergonha nos aeroportos. Comprou acessórios como bolsa tipo pochete para guardar documentos, máscara para dormir no avião, travesseiro inflável e um tablete com WI-FI pré-pago por dois anos. Teria conexão disponível em qualquer lugar do mundo a qualquer hora.

Passagem comprada, iria cuidar da bagagem. Não levaria muita coisa. Duas calças jeans, duas camisetas, uma camisa social, um boné, chinelos Havaianas, toalha de banho, escova de dente, comprimido para dor de cabeça, meias e uma gravata, embora tenha pensado se haveria ocasião para usá-la. Comprou um relógio Citizen Eco Drive que não necessitava de bateria.

Sua mãe triste por causa da decisão do filho, deu uma última verificação na mala e descobriu que o sabonete preferido do filho não havia sido colocado.  A mãe dele embora não seja mencionada na parábola, na nossa história, é uma mulher detalhista e sofreu tanto quanto o pai.

E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua. (Lc. 15.13)

Para evitar choros, despedidas emocionantes, perguntas e recomendações sem fim, o jovem preferiu que os pais e o irmão mais velho não fossem ao aeroporto. Chamou o Uber pelo aplicativo.

No aeroporto procurou o portão de embarque para Atlanta, no sul dos Estados Unidos. Ele não revelou a ninguém seu destino, a não ser o país. Alguns tentaram adivinhar.

– Disneylândia? Cidade de Nova York? Montanhas do Colorado? Califórnia? Miami?

No entanto ele não dizia sim ou não, aumentando o mistério.

Não se importou com os sentimentos alheios. Havia assistido documentários sobre   o comportamento das aves. Quando o filhote tinha capacidade para voar, davam um empurrãozinho para o primeiro voo. Assim aquele jovem se sentia. Um filhote fora do ninho, orgulhoso de sua decisão.  Obviamente preferia ter viajado com seus próprios recursos financeiros, mas como não tinha, preferiu usar a parte da herança.

A aventura continua…

O Boeing pousou em Atlanta trazendo o filho prodigo moderno. Feita a conexão, seguiu em direção a Las Vegas, estado de Nevada.

Quando chegou, desde o desembarque, tudo era novidade. Geralmente dizia que era melhor do que em seu país de origem. Teve dificuldade com o idioma a princípio, pois lia uma palavra e a pronuncia era outra.

As pessoas demonstravam felicidade. Estavam sempre rindo ou sorrindo. O taxista que o conduziu sorria cordialmente durante o trajeto. Até o carro parecia melhor que os da sua terra. Fazia menos barulho, pulavam menos, freavam suavemente. O trânsito fluía e todos respeitavam a faixa de pedestres.

O porteiro do hotel onde havia reservado via internet, retirou a mala do táxi com um sorriso cordial. A recepção foi fantástica. Foi recebido com honrarias, flores, caixa de chocolate e até balões infláveis com seu nome gravado. Não se lembra de ter sido tratado com tanta honra.

Pensou consigo:

 –  Isto aqui parece um Paraíso terrestre.

Enquanto descansava no quarto do hotel, lembrou-se da pátria – filas nos bancos, greves, trânsito caótico, arrastões de trombadinhas, inflação, manifestações políticas contra ou a favor do governo, desemprego, corrupção, sujeira, pichação de mau gosto nos muros e pontes. Nem quis pensar mais no assunto para não contaminar sua mente com negativismo.

No dia seguinte, tomou um café da manhã, que o sustentou o dia todo. Frutas da mais alta qualidade, geleias de sabores exóticos, café com sabores, variedades de pães, biscoitos importados, ovos fritos, bacon, etc. Experimentou pela primeira vez panqueca doce coberto com xarope extraído de uma arvore do norte do país. (maple syrup)

Checou o correio eletrônico. Alguns amigos curiosos perguntavam onde estava. Respondeu superficialmente aos amigos sem revelar onde estava, havia uma mensagem de seu pai perguntando com foi a viagem, mas nem importou em responder.

Com os bolsos cheios de dólares e cartão de crédito disponível começou a sonhada aventura com uma excursão ao Grand Canyon.

No dia seguinte entrou num Cassino. Não sabia como funcionava, mas entusiasmado apelou para a sorte. Como havia gente grã fina, para impressioná-los fazia apostas ousadas e não demonstrava raiva quando perdia.

No final do dia chegou à conclusão que a sorte não bateu a sua porta. Contabilizou o prejuízo.

A vida é mesmo assim. Um dia a gente perde, mas no outro ganha.

Naturalmente não faltaram bebidas durante sua permanência no cassino. Estranhou que o preço de uma dose, era quase equivalente a uma garrafa inteira comprada no supermercado.

Na outra noite estava programado ir um dos shows mais concorridos da cidade. Foi um espetáculo de musica, cores, danças, luzes. Ficou vidrado, que mal pode dormir.

–  Quantos prazeres me esperavam, e eu na casa de meu pai, com aquela “vidinha” rotineira.   Trabalho, escola, casa. Escola, trabalho, casa.    

No dia seguinte sentindo-se cansado de divertir (?) preferiu ficar na piscina do hotel desfrutando o Sol, a água, bebidas, companhia de gente saudável e obviamente, com pouca roupa.  Já acostumado com o idioma, conseguiu fazer novas amizades.

O que ele mais admirou nestes “novos amigos”, é que pareciam não terem preocupações, compromissos e problemas. Eram pessoas que não gostavam de falar do passado e não se preocupavam com o futuro. Viviam intensamente o presente.

Os amigos o introduziram a uma garota loira, esbelta, educada, e que dizia ser filha de fazendeiro. Porém esta informação nunca pode ser confirmada se era real.

A paixão que ele sentiu foi do tipo vulcão em erupção. Difícil de apagar a chama e entrar em extinção. Durante os dias que estiveram juntos desfrutaram de muita diversão, e obviamente, contatos sexuais.

Porem ela e seus amigos eram usuários de drogas. Rolava de tudo: maconha, cocaína, crack, injetáveis, etc.

Nunca havia experimentado drogas. Os amigos ofereceram as primeiras doses grátis, o que foi uma isca perfeita. Alertaram que deveria comprá-las depois.

Disseram uma frase que o impressionou:

– A vida é uma só. Devemos aproveitá-la enquanto podemos.

Depois de uma semana de intensa atividade e muita adrenalina parou para fazer um balanço dos recursos financeiros que dispunha. Notou que havia extrapolado, e bastante.

A fim de esticar o dinheiro que restava, transferiu para outro hotel mais barato.

E ali desperdiçou a sua fazenda, vivendo dissolutamente(Lc 15:13) O dinheiro acabou. Começou a usar o cartão de crédito, sem imaginar quando e como pagaria. Quando os pagamentos foram rejeitados, não houve outra alternativa. Vendeu pertences pessoais – óculos Ray Ban, tablete, relógio, corrente, telefone. Até a mala foi na barganha. Afinal para que precisaria de mala se não tinha bagagem?

A loja de penhor pagou apenas uma fração do que valiam, mas estava aliviado ao ver dinheiro novamente. Revelou aos amigos sua situação. Pediu-lhes para arrumar  um quartinho apenas para dormir.

Com o dinheiro que arrecadou, pagou o débito pendente no hotel. Dormia nos bancos, calçadas, monumentos. Las Vegas não é São Paulo, onde os sem teto têm suas barracas e até cachorro como companheiro. E por falar em companheiros, seus “amigos” desapareceram como nuvem passageira. A namorada terminou assim que soube da situação financeira decadente. O vulcão extinguiu e só cinzas prevaleceram.

E, havendo ele gastado tudo, começou a padecer necessidades (Lc 15:4) parte A e C. Agora o brilho da cidade já não lhe atraia. As pessoas passavam por ele e sequer olhavam. A barba e o cabelo cresceram. Parecia mais um mendigo.

Sua aparência foi deteriorando rapidamente. Banhos eram semanais. A roupa era a mesma todos os dias. Os dentes amarelaram com a nicotina e falta de escovação. Os olhos vermelhos e fundos como se não tivesse dormido durante a noite.

Tudo que lhe restou foi a carteira (vazia), o passaporte, um par de chinelos Havaianas, e uma bolsa de tecido que comprara numa loja de souvenir, assim que chegou com a estampa:  Greetings from Las Vegas. Aliás, esta bolsa a noite era seu travesseiro.

Nas primeiras horas da manha ficava na porta do Mc Donald na esperança de que alguém lhe comprasse um hambúrguer.

Tentou arrumar um emprego, mas diziam que sendo estrangeiro, não era licito empregar-lhe. Tentou até trabalho na limpeza de banheiros com companhias terceirizadas, e nem assim lhe davam.

Enquanto isso via nos fundos dos hotéis e restaurantes panelas cheias de comida serem lançadas no lixo, mas não davam os mendigos nem permitiam lhe recolhessem com medo que pudessem ter uma contaminação estomacal e processar o estabelecimento.

A solução foi pedir esmolas. Tinha que fazer discretamente, pois os oficiais da cidade não permitiam sob pena de ser preso por vadiagem.

Certa noite dormindo debaixo de uma ponte, com o estomago vazio e mosquitos picando as partes descobertas do seu corpo, olhava atentamente para a lua cheia e as estrelas. Veio a sua mente recordações que fizeram chorar.

E eu aqui pereço de fome – Lc. 15:17.  Lembrou dos pais. Do irmão mais velho, ainda que implicante e ranzinza. Da casa confortável, de quarto e cama macia. O que mais lhe atormentava era lembrar da geladeira. Iogurte e requeijão sempre abundantes. Manava leite e mel. Delirava ao lembrar do pastel de feira, frito na hora com caldo de cana gelado.

No dia seguinte, tomou a decisão. Levantar-me-ei e irei ter com meu pai. (Lc 15:18) Já que havia vendido o tablete com Wi-fi. Outro mendigo mais privilegiado tinha um telefone capaz de enviar um e-mail e lhe ajudou.

Descreveu sua situação ao pai. Que desejava voltar, mas tinha um problema, ou melhor, vários. A passagem que comprara tinha data de retorno, mas havia vencido e para revalidar precisaria pagar uma taxa de 40% do valor da passagem.

Horas depois o pai lhe enviou uma mensagem dizendo que fizera uma transferência internacional de valor   suficiente para o retorno.  O jovem sem demora, retirou o dinheiro, comprou três sanduiches, já que sua fome era de leão. Dois dias depois embarcou no avião que o traria de volta a casa do pai. Constantemente vinha a sua mente:

– Já não sou digno de ser chamado seu filho (Lc. 15:19)

O pai e a mãe foram lhe esperar no aeroporto. O irmão mais velho deu uma desculpa qualquer e disse que não podia ir. Os pais trouxeram uma faixa especialmente confeccionada para a ocasião.

–  Hoje vai ter festa em casa!

De longe os olhos do pai aguardava na rampa de desembarque, quando o avistou de longe o reconheceu apesar da aparência e da roupa amarrotada.  Depois de abraçar e beijá-lo reparou que não tinha bagagem. Na mão trazia apenas uma sacola de tecido barato com a estampa – Greetings from Las Vegas (Lembrança de Las Vegas)

Pr. David Moreno

. Pastor da Igreja Pentecostal Shalom em Kearny – New Jersey, USA

(Filiada da Convenção Americana Church of God);

. Natural de São Paulo capital, colaborou em várias publicações da CPAD;

. Foi Editor do Jornal “O Testemunho”;

. Apresentou programas de Rádio com conteúdo bíblico no Estado do Espírito Santo;

. Foi missionário residente em Lesotho na África e Australia;

. Esteve em curtas missões em países asiáticos como: Japão, Filipinas, India e Nepal;

. Com a sua esposa, Erinea, são líderes do Projeto Shalom Life em Serra no ES, que atua na área social e assistencial;

. Estudou Teologia na Faculdade Beulah Heights em Atlanta e tem se destacado na   área de ministração de Estudos Bíblicos.

1 comentário em “A mala do filho pródigo

  1. Pastor David, a paz do Senhor Jesus . Gostei da Publicação atual do Filho Pródigo, já que muitos hoje em dia faz a mesma coisa e depois se arrependem . O soberano Deus sempre dá chance para o arrependimento.Enquanto há vida,há esperança .

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